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  • Foto do escritorLucas Gamonal Barra de Almeida

Um convite à hospitalidade e diversidade

O competente e querido Fael me fez a provocação e o convite para falar sobre algumas relações entre hospitalidade e diversidade. Como turismólogo e professor, pensei no desafio de traçar alguns paralelos de forma fácil e atrativa, sem deixar de lado questões pertinentes acerca de passos ainda necessários.


Antes de qualquer coisa, então, pensemos a noção de hospitalidade. Em geral, temos uma ideia atrelada ao acolhimento. E essa base é correta e essencial. Sendo assim, raciocinemos a partir de outro conceito que pode nos ajudar: o de alteridade. Do latim, altero diz respeito ao outro. E a alteridade é exatamente essa abertura ao diverso; para aquilo que difere de nós mesmos.


Por isso, também, os marcos relativos à hospitalidade se conectam fortemente ao universo do turismo e da gastronomia. Justamente em razão da possibilidade de promover o encontro entre realidades distintas, de estar com o outro. Como afirma o escritor canadense Jacques T. Godbout, “a hospitalidade consiste em receber o outro em seu espaço”. Por isso é que quando pensamos nos meios de hospedagem são feitas referências ao lar. E, ainda, que as saudações nas recepções giram em torno de algo como “sinta-se em casa”. Trata-se de uma ilustração emblemática de bem-estar. A partir dela, compreendemos a mensagem de segurança e conforto.


Então como articulamos os benefícios de uma abertura para a hospitalidade e para a diversidade? Já não é necessário afirmar que as realidades nas quais estão inseridas pessoas de diferentes raças, gêneros, orientações sexuais, idades, origens territoriais etc. têm amplos ganhos. No mundo dos negócios, são significativos os alertas dos especialistas e da mídia quanto ao aumento da produtividade e dos lucros, por exemplo.


Entretanto, cabe questionar: Onde estão as pessoas associadas à essa diversidade tão exaltada em alguns momentos? Em outras palavras, que posições ocupam aqueles que não estão encaixados nos dados padrões físicos, estéticos, etários e cis-hetero-normativos que costumam prevalecer? O debate proposto com a sátira do produtor de conteúdo Renan Wilbert, curador do perfil @igrejadesantacher, é esse.

No caso dos serviços da “indústria da hospitalidade”, o bem-receber é central, como viemos costurando. Entretanto, quem são a maioria dos agentes de acolhida? Quem pensa as ações ligadas aos diferentes contatos entre as pessoas em espaços para além das paredes de casa? Convido você a pensar em suas últimas vivências em hotéis, restaurantes ou eventos (na época em que podíamos circular sem os medos ligados à pandemia global do novo coronavírus). Você se sentiu plenamente bem-vinda ou bem-vindo? Quem foram as pessoas que prestaram atendimento a você? Como você a tratou, em retorno? Houve algum tipo de estranhamento com relação a presença delas naquele espaço ou por estarem executando aqueles tipos de função? Quem pensou os processos de atendimento e a dinâmica de interação? Os contrastes são ricos, sem dúvidas, mas devem estar sempre baseados no respeito, o que nem sempre acontece. Por isso a realização de um trabalho cauteloso e acurado com relação às trocas.


Um dos pontos relevantes à nossa reflexão é que, muitas das vezes, os lugares ocupados por pessoas “diversas” — se e quando existem — se restringem aos bastidores, uma vez que “elas não devem ser vistas”, ou são ligados a operações mais “simples”, pois elas “não teriam competências para ir além”, dentre outras máximas falsas, atrasadas e atrozes.


Junto a isso, ainda vemos uma precarização das condições de trabalho em geral. É comum que haja assédios de toda ordem e baixa remuneração para os “marginalizados” que agora estão “incluídos”. E quais são alguns prováveis efeitos futuros disso? A queda dos salários e a má qualidade nos ambientes de trabalho tornam-se consequências maiores, mesmo para quem está protegido por privilégios. Esse é um dos prismas pelos quais conseguimos começar a mostrar que a luta por equidade é de todas e todos nós.

Em resumo, especialmente pensando o contexto da hospitalidade e do mundo corporativo a ele relacionado, não se trata de colocar pessoas somente na base daquela pirâmide e silenciá-las (de novo, isso quando postos de trabalho são de fato abertos). A defesa de trabalhos realmente conectados com as dimensões da hospitalidade está na exaltação da pluralidade de olhares. Na potência originária das diferentes bagagens e perspectivas que detêm aquele que é múltiplo. Por isso a hospitalidade e a diversidade podem promover mudanças positivas e por que não, podem até mudar o mundo que nos rodeia.


E isso não se limita às questões ligadas às chamadas minorias, porque uma sociedade inclusiva e hospitaleira para alguém com especificidades torna-se melhor para qualquer pessoa. Portanto, é preciso romper com os mesmos protagonismos de sempre e abrir mais e mais espaços. Uma máxima dos estudos de hospitalidade é a ideia de circularidade e movimento. Por meio da variedade de visões, também em nível estratégico nas organizações, certamente é possível mirar na formatação de produtos mais interessantes e em políticas de atendimento mais qualificadas.


As ações características da hospitalidade são recepcionar, alimentar, entreter e hospedar. Isso nos espaços domésticos, públicos, comerciais e virtuais, conforme diz o professor Luiz Octávio de Lima Camargo. Há amplitude e cruzamento entre esses universos e isso tem muito a nos ensinar. Esses movimentos falam sobre atenção e cuidado, são gestos afeitos aos detalhes, e também reúnem uma visão ampliada, atenta com o todo. Novamente falando sobre alteridade, a hospitalidade traz um convite para se colocar no lugar da pessoa com quem estabelecemos relações. É um impulso de empatia.


A hospitalidade vai além da prestação de serviços. Ela tem a ver com o outro, com estar junto. Mais do que isso, com ser capaz de provocar mudanças e fazer sentir. Construir experiências. É algo que se multiplica e vai adiante, como onda. Por meio da acolhida, a hospitalidade versa sobre fazer com que o outro se sinta bem como quem é. O trabalho da hospitalidade é garantir que todas e todos sejam bem-vindos nas portas então abertas. Não se trata de traçar estratégias a partir da própria visão, e sim de como aprender, levando em conta a perspectiva do outro. Se a frase “diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar” tornou-se célebre mais recentemente em razão da sua pertinência, podemos pensar que a hospitalidade atua em todas as frentes, auxiliando a pensar como será o convite e quais ritmos conduzirão a dança. Isso feito com atenção única e respeitosa, levando em consideração as demandas coletivas e a dádiva de estarmos juntos.


Lucas Gamonal Barra de Almeida é Bacharel em Turismo e Doutor em Comunicação.

Atua como professor e pesquisador e tem experiências com eventos, hotelaria e produção cultural.


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